blogue da disciplina de Psicologia Social da FLUP

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Cidade, Homossexualidade e Música Electrónica:

Do espaço urbano ao espaço virtual

Relacionando o universo homossexual, a comunidade da música electrónica e a experiência das cibercidades, o artigo visa explicitar que as prmeiras não têm criado estruturas abertas à interatividade e à instalação de culturas emergentes, enclausurando-se em comunidades restritas fugindo aos objectivos da cibercidade.
A cidade é uma realidade objetiva – com ruas, monumentos, praças – uma realidade a partir da qual se desenvolvem ideias e se constroem representações. Das representações possíveis acerca da cidade, uma das que mais tem chamado a atenção é aquela que se refere ao processo de urbanização, com todas as suas consequências.
No entanto, nos últimos anos, com o crescente desenvolvimento das novas tecnologias de comunicação digital e a sua inserção no quotidiano, as atenções voltaram-se para um outro tipo de cidade, as cibercidades. Elas surgem, assim, como espaços onde seria possível se desenvolver alternativas aos problemas percebidos no ambiente das cidades reais.
Analisando as experiências de cibercidades, André Lemos (1999) mostra que, em última instância, elas têm mantido como referência principal a cidade moderna como a conhecemos, com todos os seus antagonismos. O autor ressalta que a maioria das cibercidades desenvolvidas até ao momento não passam de metáforas que não abarcam a complexidade de um determinado espaço urbano. Para Lemos, seria necessário, através dessas experiências, descobrir o que fazer para virtualizar a efervescência ou a dinâmica de uma cidade, as suas partes negativas; seria necessário reflectir sobre a cidade virtual para que ela venha a tornar-se palco de algo diferente das visões estereotipadas e assépticas que os especialistas se ocupam em construir. Na sua visão, as cibercidades deveriam aproveitar o potencial de formação comunitária do ciberespaço, promovendo práticas que, por exemplo, façam com que as pessoas evitem deslocamentos inúteis.
As cibercidades devem ser pensadas no sentido de potencializar trocas entre os cidadãos e a ocupação de espaços concretos da cidade real.
As cibercidades propostas até agora não conseguiram incorporar formatos abertos a intervenções efectivamente interactivas de indivíduos e comunidades. Onde se encontre recursos técnicos que abram espaço para a criação de artifícios, para a incorporação de experiências culturais alternativas e outras práticas políticas. Não da política tradicional, eleitoral, institucional, mas políticas de construção de outros sentidos, de outros discursos estéticos.
A ocupação do espaço público urbano sempre foi considerada como um fator importante para o desenvolvimento de estilos de vida.
A procura de lugares de encontro e maior interacção social sempre foi uma característica da comunidade homossexual que, como alternativa, procura refúgio em determinados pontos das grandes cidades, dos quais se apropriam. Com o surgimento do ciberespaço, e das cibercidades, o mesmo tem acontecido: não havendo esses pontos, esses lugares de interacção, eles são criados.
Os sites dirigidos aos interesses específicos do público homossexual e, na maior parte das vezes por eles criados, são os mais procurados e acessados. Até mesmo porque as cidades virtuais não oferecem possibilidades para esse público e, quando oferecem, é sem os mesmos atractivos dos espaços já existentes.
O universo homossexual, em toda sua diversidade, apropriou-se do ciberespaço, criou comunidades e tem tentado transferir para o ambiente das cidades reais a sociabilidade por vezes conquistada apenas no ambiente virtual. Mas não é apenas o universo homossexual que vem criando os seus espaços na rede, outras comunidades, como as que se reúnem em torno da música eletrônica, vêm ocupando as suas posições no espaço virtual.
A comunidade da música electrónica, particularmente nestes últimos cinco anos, tem se consolidado como uma cultura, como uma expressão da cibercultura, já que reflete a (re)apropriação das tecnologias contemporâneas tendo em vista uma produção simbólica: a música electrónica e tudo que decorre dela (como a moda, produção de softs de e-music, sites, selos alternativos de música, etc). Essa é uma concepção que não aparece nas cidades virtuais, apesar da sua proliferação no mundo, principalmente entre os jovens que alimentam um movimento com marchas protestantes de grande repercussão (Love Parade na Alemanha com um milhão e 500 mil pessoas; em Paris com 400 mil pessoas; em São Paulo com 20 mil pessoas), eventos noturnos (techno parties, chill in, chill out, lounges), selos, sites, etc.
Em suma, a presença marcante do universo homossexual e da comunidade da música electrónica no ciberespaço pode ser interpretada como um novo movimento de resistência à exclusão social, de regeneração do espaço público perdido e de apropriação das novas tecnologias de comunicação. Se não existe o poder, instaura-se a potência, a vontade de estar-junto, a socialidade dos agrupamentos urbanos que, com a novas tecnologias, passam do espaço urbano para o virtual.

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