blogue da disciplina de Psicologia Social da FLUP

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

O inato e o socialmente adquirido

É já frequente ouvirmos aquela afamada frase que um verdadeiro génio é 5% talento e 95% de trabalho. Será? Pergunto eu (embora deixe já aqui clara a minha plena convicção que assim seja). Como podemos nós medir a relevância do inato e do social? Em que medida é que a nossa compleição genética pode de algum modo ser determinante ou decisiva na nossa estruturação cognitiva e, por arrastamento, na percepção que cada um de nós irá eventualmente ter daquilo que nos rodeia, na forma como encaramos a nossa vida e no seu impacto sobre as nossas capacidades, que podemos leigamente designar de “dom natural” (ou falta dele)? E ao acreditar neste seu carácter peremptório de que forma é que podemos não dizer que as nossas vidas estão de certa maneira já elas pré programadas? Que este tal de “património hereditário” não vai traçar prematuramente certas e determinadas características ou se quisermos orientações para um certo tipo de comportamentos, atitudes, maneiras de pensar, agir ou ver o mundo? Estas perguntas parecem-me particularmente pertinentes embora difíceis de responder. Ora colocarmos essas questões em termos quantificáveis seria complicado porque avaliarmos percentualmente a importância que cada um deles desempenha parece-me a mim algo irrealista até para o maior dos matemáticos a conviver com o maior dos psicólogos, principalmente se tivermos em conta que se trata de uma questão circunstancial. É por isso importante entendermos a frase que inicialmente referi, de uma perspectiva mais metafórica, por assim dizer, do que propriamente científica.
Podemos contudo colocar a matemática de lado e tentar perceber a sua relevância de outra maneira. Ao acreditar convictamente na desmedida importância do social na formação do indivíduo não pretendo, quase que de forma discriminatória, descartar o impacto daquilo que nos é inato. Pelo contrário, penso que existem situações em que é evidente o seu contributo decisivo. Pegando numa situação concreta está, por exemplo, mais do que provado cientificamente que os atletas negros na sua generalidade nascem com uma disposição genética mais propensa ao desenvolvimento das capacidades físicas. Quem não acredita é só ver a quantidade absurda, e diria eu irritante, de quenianos que ganham maratonas ou até, de forma mais geral, a quantidade de indivíduos de raça negra que são os mais bem sucedidos em várias modalidades desportivas diferentes. No entanto é fundamental compreendermos que, mesmo nesses casos, o posterior trabalho e dedicação que o indivíduo vai exercer no seu ambiente social e a própria influência que a sociedade vai ter sobre ele vão pautar o seu sucesso ou fracasso. E era precisamente a este ponto que eu queria chegar, porque como à pouco dei a entender, e este é o elemento chave que importa reter, o ser humano não nasce com características definidas mas sim com potencialidades que só socialmente poderão ser desenvolvidas. De que serve um queniano com uma excelente genética se não existem condições sociais que o permitam alcançar o sucesso? Se a própria dedicação e motivação com que se treina são também elas qualidades socialmente construídas? Mesmo a própria questão do inato é discutível porque em certos aspectos é muito complicado afirmarmos com toda a certeza aquilo que é inato ou socialmente adquirido. Podemos, por exemplo, olhar para uma criança de 10 anos que revela uma capacidade prodigiosa para escrever música ou para tocar algum instrumento musical e a primeira conclusão que nos vém à cabeça é que ela nasceu com um dom, com um talento nato, que de alguma forma na sua estrutura genética estava algo que a tornava verdadeiramente especial e única. Mas será mesmo assim? E se na verdade essa criança afinal não tinha nenhuma disposição genética extraordinária, se nasceu até diria, com certas potencialidades que não favorecessem em nada essas capacidades, mas tivesse sido criada desde uma idade prematura num meio rodeada de música, em que o seu cérebro interagia e se desenvolvia nesse ambiente e que portanto aos poucos foi adquirindo essas aptidões excepcionais? Nesse caso certamente já não poderíamos falar de um dom natural, de algo inato mas sim de um talento que foi socialmente construído.
É por isso que apesar de nós herdarmos potencialidades, elas não vão passar disso mesmo, sem a influência que os outros têm sobre nós. O homem é um animal social e retirar-lhe essa característica é retirar-lhe a sua humanidade.
E acho que, de forma curiosa, esta ideia pode facilmente ser extrapolada e comparada com a mentalidade de algumas sociedades nomeadamente a do povinho português e a sua insistente mania de colocar o “estrangeiro” num pedestal como se de alguma maneira possuísse qualidades inatas de divindade que os tornam em tudo superiores e nos condenam a nós, supostamente “seres inferiores”, à perpétua subalternação.
De facto, se pensarmos bem, o tal “inato” apresenta-se como um conveniente bode expiatório já que o utilizamos, embora que talvez de forma subconsciente, como justificação fácil para a dita superioridade dos outros (completo absurdo transmitido pelo nosso insidioso senso comum!) e para a nossa inoperância ou falta de iniciativa, quando na verdade o nosso verdadeiro problema é aquilo que se chama, utilizando uma expressão popular, de mangona! Talvez seja necessário começarmos a ver o copo meio cheio e não meio vazio pode ser um bom começo…

1 comentário:

David Martins disse...

bem, para um estruturalista :) admitir que certas etnias possuem à priori determinadas caracteristicas que os irão favorecer no empreendedorismo de certas actividades sejam elas declaradamente mais físicas ou mentais, é ja uma grande conquista... va lá, 30% para o inato, 70% para o adquirido e negocio fechado!...
P.S. Cuidado com os exemplos, isso de etiquetar individuos da africa subsariana d bons atletas e substimar o estrangeiro pode atrair os highlights da censura, oh etnocentrista :)